Enquanto uns reclamam do vento, outros ajustam as velas....
Entregador de aplicativo chega a pedalar 50 quilômetros para ganhar R$ 60
"Quando eu tinha mais ou menos 14 anos eu imaginaria que eu estaria hoje num trampo registrado, tranquilo, com a minha moto já. Mas a vida nem sempre é do jeito que a gente quer. Tem que ir trilhando o caminho conforme as coisas vão acontecendo."
O caminho trilhado todos os dias por Gabriel Vieira é o mesmo de muitos jovens pobres de São Paulo. Da periferia ao centro, sempre de bicicleta.
Há dois meses ele começou a trabalhar como entregador de aplicativos depois de desistir de procurar emprego com carteira assinada.
Hoje com 19 anos, Gabriel entrou no mercado de trabalho quando o país já estava mergulhado na crise. Chegou a trabalhar por alguns meses registrado como operador de telemarketing, mas está desempregado há oito meses. Era uma jornada de seis horas, com todos os benefícios, salário de quase R$ 1.000. Como entregador, ganha R$ 1.500 por mês.
"Você vai trabalhar se você quiser, você vai e volta na hora que quiser. Os prós e contras são os mesmos. É a maior dificuldade. Trabalhar para você mesmo é isso. Você tem que se vencer todo dia. Todo dia vem aquela preguiça. Eu acabo tentando me convencer de que vale a pena."
A rotina começa às 8h. Ele sai de casa na Cidade Ademar, Zona Sul de São Paulo, onde mora com a mãe e três irmãs, e pedala 13 km até a região da Avenida Paulista. Pela manhã, o ritmo não é tão frenético. A partir das 11h30 o celular não para de apitar.
Gabriel ganha em média R$ 8 por entrega e precisa aproveitar ao máximo o rush do almoço. Coloca cada endereço no celular e pede ao Google para mostrar a rota a pé, que é mais curta.
O algoritmo do aplicativo vale mais que as regras de trânsito. Ele circula boa parte do tempo na contramão, espremido entre o meio-fio e os carros, ou na própria calçada. As entregas caem uma atrás da outra.
"Olha aí. Acabou de chegar outro pedido. R$ 8, um quilômetro."
No restaurante indiano, um imprevisto. A cliente não informou se queria arroz branco ou integral. E o restaurante não libera a refeição até saber a opção certa. Gabriel perde meia hora do dia para resolver o impasse, tempo que seria suficiente para outra entrega.
PATRÃO INVISÍVEL
O ritmo é ainda mais alucinante quando os aplicativos promovem bônus se a demanda subir muito. Por exemplo: quem faz cinco entregas em três horas ganha R$ 30 a mais.
Na parceria com o aplicativo, Gabriel é quem assume os riscos da operação. Se a bicicleta for roubada, o prejuízo é dele. Se sofrer um acidente, perde a fonte de renda. Ele não pode falhar. Um aplicativo decidiu excluí-lo sumariamente por uma entrega que não foi concluída porque a bateria do celular acabou.
"Dá essa sensação de instabilidade, de que pode acontecer alguma coisa e a gente perder o nosso 'emprego'. Também tem um pouco descaso com o nosso tempo. Como se o nosso tempo não fosse muito válido."
O jovem que entrega comida não comeu nada o dia todo. Uma refeição naquela região custa metade do que ele ganha no dia.
Gabriel carrega uma garrafa com chá de ervas que a mãe sempre prepara. Ele tinha 11 anos quando o pai morreu de cirrose. Considera ter muita sorte por ter uma mãe, nas palavras dele, super protetora.
Entre uma entrega e outra, Gabriel diz que não vê a hora de chegar o fim de semana para ver a namorada, que mora do outro lado da cidade.
META BATIDA
Três da tarde. Gabriel bateu sua própria meta diária de R$ 60 e já pode encerrar o expediente. Foram quase 50 quilômetros pedalados no dia. Ainda assim, ele se considera "preguiçoso".
Muitos colegas moram ainda mais longe e trabalham 12 horas de segunda a segunda. Gabriel prefere fazer uma jornada menor para ter forças para o dia seguinte.
No retorno pra casa, observa os aviões que sobrevoam a Zona Sul e fala o que realmente quer no futuro:
"Hoje eu já tenho vontade de ser comissário, entendeu? Quero estudar para ser comissário, fazer um curso de inglês. As coisas não dependem 100% da iniciativa das pessoas. Porque tem várias pessoas em situações diversas, com histórias diversas. E se existir um denominador comum que leve essas pessoas para o lugar certo, teria mais gente indo pro lugar certo do que pro errado. Eles não querem nos incluir em certos ambientes. Querem que haja essa diferença, essa separação."
Fonte:
POR - POR GUILHERME BALZA (guilherme.balza@cbn.com.br)
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